Blade Runner (1982)

“Criamos máquinas tão perfeitas que agora somos nós os imperfeitos.” (Günther Anders)

Filme que consolidou Ridley Scott (Gladiador, 2000), após o impacto de Alien, o Oitavo Passageiro (1979). Ambientado num futuro sombrio, com becos escuros, néon e telões, Blade Runner é uma ficção científica plausível — sem os exageros que frequentemente afetam o gênero. É um mergulho na alma humana, cinema em sua plenitude.

A ciência avança, mas a opressão persiste. Os marginalizados continuam relegados aos guetos, enquanto os poderosos se isolam em edifícios colossais. A engenharia genética é usada não para curar, mas para controlar. Scott revela uma distopia que, disfarçada de ficção, reflete a crueldade do presente. A cidade caótica tem inspiração direta no clássico Metrópolis, de Fritz Lang.

Inspirado em Philip K. Dick, o filme narra a fuga de replicantes — androides que retornam a Los Angeles em busca de suas origens. Lançado sob críticas e fracasso comercial, só o tempo fez justiça à sua grandeza. A crítica errou. O público redescobriu.

Que querem os replicantes? Mais tempo de vida — e, afinal, quem são eles? Criaturas programadas ou almas aprisionadas em corpos artificiais? O poder, como sempre, não quer respostas: quer eliminar o problema. E inicia a caçada.

A cena em que Deckard (Harrison Ford) atira na fugitiva Zhora (Joanna Cassidy) permanece como um dos momentos mais cruéis e belos do cinema — ela gira no ar, arrebenta os estilhaços da vitrine, e sua queda é embalada pela música de Vangelis, que a transforma num canto fúnebre. Uma trilha inesquecível, à altura de Nino Rota em O Poderoso Chefão.

À medida que a história avança, o caçador se volta para a própria consciência. Questiona o sistema. Não vê mais sentido em eliminar criaturas que, mesmo artificiais, demonstram medo, desejo e até afeto. Mas ele mesmo começa a duvidar: será um homem ou apenas mais uma peça do sistema? O problema é que o extermínio não depende do que sente o exterminador — trata-se de uma ordem oficial, e deve ser cumprida, sob pena de represálias.

Rick Deckard e a replicante Rachel (Sean Young) enriquecem o enredo com uma cumplicidade que mistura erotismo e compaixão. Juntos, desafiam a lógica da missão para poderem viver. Rutger Hauer, como Roy Batty, brilha num dos momentos mais poéticos do cinema: “Todos esses momentos vão se perder no tempo como lágrimas na chuva”. Como não perder os nossos? Vivendo-os com intensidade.

Blade Runner foi relançado em 2007 na versão definitiva do diretor. É mais do que ficção — é um espelho da condição humana.

“Não são as máquinas que nos ameaçam — é o vazio que deixamos nelas.”
(Walter Pinto Filho)

 

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Walter Filho

É Promotor de Justiça titular da 9a Promotoria da Fazenda Pública. Foi um dos idealizadores do PROCON de Fortaleza e ex-Coordenador Geral do DECON–CE. Participou e foi assistente de direção do premiado filme O Sertão das Memórias, dirigido pelo cineasta José Araújo. Autor dos livros: CINEMA - A Lâmina Que Corta e O CASO CESARE BATTISTI - A Palavra da Corte: A Confissão do Terrorista

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