Uma coisa que nunca suportei era ver um bêbado velho e imundo uivando as imundas canções de seu país…Como se houvesse uma velha orquestra imunda em suas tripas.
(Alex – antes de espancar um velho mendigo)
Beira a unanimidade a opinião dos críticos em dizer: “Um marco na história do cinema”. Na verdade, Kubrick (Spartacus, de 1960) conseguiu, neste filme, extravasar tudo sobre a violência que adormece em muitos, principalmente, na sempre saudosa juventude. Malcolm McDowell parece ter nascido para viver este papel. É uma das melhores interpretações já projetadas nas salas de cinema. Mesmo feito em 1971, o filme é ultramoderno, mais atual do que seu tempo.
O jovem Alex De Large (Malcolm McDowell) está solto e o Estado, mais uma vez, revela seus métodos ineficientes para combater a violência. O cinema é mais do que um mero filme. É também uma fonte de reflexão e análise sobre as formas e métodos de uma sociedade brutalizada e marcada pela intolerância.
Por que Alex é violento? É a pergunta que fica, pois não temos, no filme, um dado pelo qual possamos dimensionar a origem de seu caráter criminoso. Seus amigos também são violentos. De onde vem a violência do jovem delinquente? Arrisco-me a dizer que procede sua natureza.
A gangue dos quatro jovens pratica vários tipos de crimes – assassinato, estupro, espancamentos – e tudo é comemorado ao som clássico de Ludwig van Beethoven, que funciona como um êxtase na mente doentia dos infratores. Malcolm, notável ator que não repetiu seu desempenho, é bem aproveitado e está soberbo, ao ponto de nunca mais ter se livrado de sua personagem. Mesmo entre criminosos, a lealdade é uma obrigação, é o código de honra, que os companheiros omitiram, talvez por serem jovens demais.
Durante o tempo em que está na prisão, Alex passa por um doloroso tratamento, como cobaia de uma experiência chamada Ludovico, para ser transformado em um jovem do bem. As autoridades querem curá-lo com medidas mais violentas do que as praticadas pelos delinquentes urbanos. Durante as filmagens das cenas de tratamento, McDowell (Um Século em 43 minutos e Calígula, ambos de 1979) permitiu o uso de líquido hipodérmico em seu próprio globo ocular.
De volta às ruas, ele sente a solidão e o abandono da família, além da marca da brutalidade, quando é impiedosamente espancado por seus ex-companheiros, e, por via do destino, encontra uma de suas antigas vítimas que o tortura ao som da Nona Sinfonia (Beethoven). Durante o martírio, ele resolve terminar com a própria vida, mas é poupado.
É um filme que prende o espectador até o final. Traz em seu bojo uma sátira à hipocrisia social. Muitos falam que Alex, ao fim, é um paciente curado e totalmente reintegrado à sociedade, o que não é verdade, pois o que se tem é um acordo cínico entre governo e criminoso. Eis a conclusão que tiramos desta ficção travestida de realidade: uma lição de que o poder é uma fachada e que tudo é apenas um ensaio de burocratas.
Este é, provavelmente, o melhor trabalho de Stanley Kubrick, com excelente fotografia de John Alcott, que consegue criar um futurismo sem exageros. A maneira como a narrativa é contada pela sua principal personagem (Alex) é que nos faz ter por ele certa dose de simpatia. Ele é violento, pervertido sexual e covarde. O violento jovem mereceu o sofrimento que lhe foi imposto, não merece piedade alguma.
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