A Face Oculta (1961)

As sequencias de ação, sob a batuta de Brando, são excepcionalmente eficientes – o próprio Kubrick não teria feito melhor.
(Ruy Castro)

Único filme dirigido por Marlon Brando, que na época desbancou Stanley Kubrick da direção. Um dos melhores Westerns já feitos – não querendo desmerecer outros magníficos como Meu Ódio Será a Sua Herança, de 1969 e Rastros de Ódio, de 1956.

As impecáveis interpretações de Marlon Brando e Karl Malden, que fogem da mesmice de muitos outros faroestes – marcados por muita poeira e tiros certeiros – são, definitivamente, o que dá o lastro de originalidade ao filme. Não há na trama o heroísmo da pistola, tão cultuado e exaustivamente reprisado nas telas. Os dois vivem uma relação que podemos transportar para nossas vidas, pois temos no filme a revelação do caráter daqueles que imaginamos amigos leais.

Rio (Marlon Brando) é um bandoleiro e Dad Longworth (Karl Malden) seu companheiro de crimes. A vida criminosa da dupla é objeto de uma quebra,  em face de um assalto ocorrido na cidade de Sonora, quando são perseguidos pela patrulha mexicana e se refugiam em um penhasco. Acuados, fazem um “sorteio” e Rio fica à espera do amigo que sai em busca de cavalos para tentarem escapar. Dad consegue os animais, mas não retorna. Por que não volta? É a pergunta chave. Ele tanto tinha condições de voltar como também tinha o caminho livre para a fuga. A opção é feita no momento em que olha para o ouro roubado; isto falou mais alto do que a amizade que os unia.

Rio é capturado pelos patrulheiros. Após fugir da prisão, cinco anos depois, sai no encalço do ex-amigo e o encontra na cidade de Monterey, na Califórnia, onde é um respeitável xerife e um exemplar chefe de família. No reencontro da dupla no pátio da  bela casa do agora homem da lei, o ex-comparsa diz: “Quando cheguei no sítio não havia cavalos”. Além de traí-lo, mente.

Muitos comentam que, na época, o orçamento foi estourado, tendo a Paramount assumido a montagem para que o projeto não naufragasse. Tudo em face do ego perfeccionista de Brando –  as cenas eram repetidas várias vezes. O filme é o que é: belo, nostálgico e diferente. A trilha sonora de Hugo Friedhofer é belíssima e guarda perfeita sintonia com todas as tomadas. Cenários e locações inesquecíveis. Para Martin Scorsese este foi um dos melhores do gênero.

O  fascínio  deste western está na abordagem de algo raro: a lealdade. A traição é lugar comum em nosso meio, seja no trabalho, na família ou mesmo entre os que se dizem amigos. Parece que alguns homens só se realizam quando desconsideram valores inesgotáveis, dentre eles, a amizade. A película nos exibe a ganância, o poder e a paixão, mas nos mostra também ser possível esquecermos os sentimentos de ódio e sempre recomeçar.

Um trabalho psicológico, envolvente e com descomunal atuação do eterno “chefão” – sua interpretação é visceral. A cena em que o xerife pede sua arma e ele recua, não para entregá-la, mas para perpetrar a vingança tão buscada é marcante. As cenas seguintes com o uso do chicote e quebra da mão, apresentam-se como de um vigor intenso e, desta vez, a covardia do antigo companheiro é mostrada publicamente. Outra vez preso, Rio olha para Dad e diz: Você tem duas caras, eu já vi sua outra cara. Quantas faces permanecem às escondidas?

Mesmo depois de tudo que aconteceu, a tão perseguida vingança é esquecida – o amor de uma mulher é o bastante para as mudanças de plano.

A Face Oculta é meu filme preferido e, enquanto vida tiver, assistirei a uma vez mais e a cada “nova sessão”, percebo que Marlon Brando está cada vez melhor.

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Walter Filho

É Promotor de Justiça titular da 9a Promotoria da Fazenda Pública. Foi um dos idealizadores do PROCON de Fortaleza e ex-Coordenador Geral do DECON–CE. Participou e foi assistente de direção do premiado filme O Sertão das Memórias, dirigido pelo cineasta José Araújo. Autor dos livros: CINEMA - A Lâmina Que Corta e O CASO CESARE BATTISTI - A Palavra da Corte: A Confissão do Terrorista

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