“Rápido… simples… sem testemunhas. E, então, é só deixar o tempo apagar.” Howard arquitetando o crime.
Há o plano. Mas há também o abismo.
Woody Allen, em sua fase britânica, abandonou as neuroses cômicas de Manhattan para mergulhar nas águas turvas da moralidade. Como em Match Point e, antes, no primoroso Crimes e Pecados (1989), estrelado por Martin Landau, Alan Alda e Anjelica Huston, o diretor retorna à velha pergunta que ronda a consciência humana: o crime compensa?
Em O Sonho de Cassandra (2007), dois irmãos londrinos se veem diante de uma escolha que arruinará para sempre o que resta de suas almas. Ian (Ewan McGregor) é o mais velho, ambicioso, sedento por ascensão social, mas encalhado no restaurante do pai. Terry (Colin Farrell), o mais novo, é um simples mecânico, viciado em jogos e dono de um coração frágil, desses que não nasceram para o mal — e por isso mesmo estão sempre à beira de cair.
A primeira cena é simbólica: os dois estão em um pequeno barco, sorrindo, falando da vida e dos sonhos. A embarcação se chama Cassandra. O nome não é gratuito. Na mitologia grega, Cassandra era a sacerdotisa capaz de prever o futuro — mas ninguém acreditava em suas advertências. A tragédia, portanto, já está inscrita no casco.
O enredo se adensa quando entra em cena o tio Howard (Tom Wilkinson), ricaço envolvido em negócios escusos. Com voz mansa e senso torcido de lealdade, ele propõe um pacto: matar um homem que ameaça sua reputação empresarial. “Família é família. Sangue é sangue”, justifica. A frase tenta encobrir o real motivo — o dinheiro —, mas a verdade é que o laço de sangue, quando corrompido, fede mais do que traição entre estranhos.
Seduzido pela promessa de fortuna e pressionado pela dívida, Terry cede. Com Ian como cérebro e cúmplice, o crime se consuma. Frio, limpo, impune — ou assim acreditam. Mas o espírito não se cala. Terry começa a afundar em remorso. Quer confessar. Quer livrar-se do fardo. Não consegue dormir. O monstro interior acordou — e vai devorá-lo.
É então que Allen nos conduz ao segundo ato da tragédia: Ian e o tio concluem que Terry precisa ser eliminado. É a velha solução dos que matam uma vez: matar de novo. Só a morte silencia. Ian o convida para velejar — o mesmo barco, o mesmo nome. Mas agora, não há riso, só presságio. No fim, nem tudo sai como o planejado. As águas guardam segredos. E o destino não gosta de ser enganado.
“Quem comete injustiça é mais infeliz do que aquele que a sofre.” (Platão)
O Sonho de Cassandra é um filme sombrio, silencioso, eficiente. Allen não moraliza. Apenas mostra — e o que mostra é cruel. A culpa não é um detalhe: é o próprio eixo da narrativa. A ausência de punição legal, como em Crimes e Pecados, não alivia o espectador — apenas o obriga a lidar com a verdade nua: muitos crimes jamais serão julgados por tribunais. Mas todos serão cobrados por dentro.





