“O cinema é o modo mais direto de entrar em competição com Deus.”
(Federico Fellini)
Há filmes que não apenas narram uma história — eles desnudam verdades incômodas. Este é um deles.
Marie-Loup Carignan (Noémie Godin-Vigneau) é jovem, bela e filha de um tempo em que poucas mulheres tinham oportunidade de aprendizado escolar. E é justamente essa limitação que a torna vulnerável ao pecado alheio: o pecado de um homem vestido de branco e cruz, mas manchado pela mentira. O padre Thomas Blondeau (Gérard Depardieu), ao invés de ser guia espiritual, torna-se o algoz disfarçado de anjo. Sim, às vezes, os que deveriam salvar são os que condenam.
A história se passa nos arredores de Quebec, em meio à disputa entre franceses e ingleses pela posse do Canadá. Em tempos de guerra, o povo busca consolo nas palavras do padre. Mas Marie-Loup busca outra forma de esperança: o amor. Ela se apaixona por François Le Gardeur (David La Haye), um aristocrata que retribui sua paixão com beijos ardentes e promessas de fuga. Só não contavam com a inveja de um sacerdote.
François envia um bilhete marcando o reencontro com sua amada. Ela, sem saber ler, confia o recado ao padre — e é traída com a frieza dos que se acham donos da verdade. Blondeau mente, intercepta a mensagem e, ainda por cima, vai ao local marcado fingindo representar uma verdade. É ali que sepulta o destino dos dois amantes. Tudo por egoísmo. Tudo por desejo reprimido. Tudo por vingança disfarçada de fé.
“Aqueles que não conseguem reprimir seus desejos não buscam a verdade — apenas uma desculpa para seus impulsos.”
(Roger Scruton)
Marie-Loup é forçada a casar-se com Xavier Maillard, traidor e nojento. Rejeita-o desde a noite de núpcias. A tensão explode quando François retorna da França e reencontra sua amada. É tarde demais. O círculo se fecha. O marido descobre tudo, arma uma emboscada — e acaba morto. O crime recai sobre Marie, que confessa e é condenada à forca.
Ela leva o segredo para o túmulo. Só a filha, France (Juliette Gosselin), conhece a verdade. Anos depois, a revelação explode como uma bomba moral no leito de morte do velho padre. A culpa é devolvida a quem sempre foi o verdadeiro culpado. A fogueira da Inquisição teria sido destino adequado para alguém como Blondeau, não pelos dogmas que professava, mas pelo crime que cometeu: usou o nome de Deus para violar a alma de uma mulher.
Este filme — infelizmente lançado diretamente em vídeo no Brasil — é uma obra de densidade dramática e vigor narrativo. Jean Beaudin conduz a trama com precisão, apoiado por um grande elenco: Irène Jacob (A Dupla Vida de Veronique), Vincent Perez e outros nomes de peso.
Assista. Não apenas para ver um drama de época. Mas para lembrar que há pecados que não nascem da dúvida — mas da certeza dos que usam a fé como instrumento de poder.
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