O cinema é o modo mais direto de entrar em competição com Deus.
(Federico Fellini)
Por não saber ler, o que naquela época era plenamente aceitável, a jovem e bela mulher Marie-Loup Carignan (Noémie Godin-Vigneau) é vítima da paixão de um padre – aquele a quem muitas vezes revelamos nossos pecados. Infelizmente, fomos moldados para acreditar em um Deus que a tudo vê e tudo determina e, o pior, nos ensinaram que ele tem seus legítimos representantes na terra. Será? Sinceramente, não acredito.
O filme narra o sofrimento de Marie-Loup, uma linda viúva mãe de uma filha pequena chamada France Carignan (Juliette Gosselin) que vivem nos arredores de Quebec no século XVIII, na época da disputa entre França e Inglaterra pela conquista da colônia canadense. Durante os conflitos, o povo busca conforto nos ensinamentos do padre Thomas Blondeau (Gérard Depardieu, 1492 – A Conquista do Paraíso, de 1992). Em meio a tudo, o coração de Marie-Loup suplica pelo amor do aristocrata François Le Gardeur (David La Haye), que ela conhece quando está na feira livre vendendo seus produtos. O desejo é correspondido pelo cavalheiro e os dois externam a paixão em ardentes beijos.
Os interesses políticos forçam François a fugir da cidade. Ele envia um bilhete para a amada, marcando um encontro, e lhe pede segredo. Confiando no pároco Blondeau, ela entrega o escrito para que leia e aí o padre mente ao dizer que François teve que partir e pede na carta que o esqueça. A sordidez do religioso é repugnante, pois além de mentir, vai ao encontro assinalado e lá inventa outra história e, assim, sela a dolorosa trajetória dos amantes.
A justificativa do reverendo para seu vil ato está no amor que ele diz sentir pela estonteante mulher, aliás, é comum ver alguns homens desejarem belas mulheres, e quando são desprezados, eles não aceitam que elas busquem saciar seus prazeres em outros braços.
O egoísmo fala mais alto e, in casu, um presbítero, que jura perante Deus ser fiel aos sagrados princípios cristãos, jamais poderia ter tal atitude – aqui caberia o uso da afamada fogueira da Inquisição, o instrumento crudelíssimo da Igreja Católica usado para matar aqueles que duvidavam da fé imposta.
Marie-Loup é forçada pelas circunstâncias a casar-se com um ex-amigo de François, mesmo que a contragosto da filha. Não sabe ela que foi ele quem traiu seu amado. Na noite de núpcias, ela rejeita o asqueroso marido Xavier Maillard – interpretado por Sébastien Huberdeau. A relação fica tensa e insuportável. É neste clima que François retorna da França e reencontra seu amor nas deslumbrantes paisagens do Canadá e, mais uma vez, mergulham numa profunda troca de carícias. Tudo é revelado e ela diz ao padre: “Mentiu para mim. Mentiu descaradamente! Aqui, na frente do altar! Ante Deus”. Um gesto imperdoável!
O marido descobre o plano da mulher para fugir com o amante e tenta matá-lo em uma emboscada. Daí para frente, o diretor Jean Beaudin cria um ambiente de suspense e nos esconde temporariamente a verdade dos fatos. Maillard é encontrado morto e, no decorrer das investigações, a justiça acusa Marie – que confessa o crime – sendo condenada à forca.
Ela leva para o túmulo um segredo que só sua filha conhece.
Ao final, o moribundo padre Thomas é surpreendido pela revelação que a filha France, já adulta, faz em seu leito e, é neste momento, que descobrimos a verdadeira assassina.
Assista a este filme maravilhoso, composto de um grande elenco – Irène Jacob (A Dupla Vida de Veronique, de 1991), Vincent Perez, entre outros – e que, infelizmente, foi lançado diretamente em vídeo no Brasil, para sentir o quanto o manto dito “sagrado” esconde faces por baixo de batinas que muitos não ousam revelar.
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