Má Educação (2004)

Se o Papa não gostar, ele que me excomungue.
(Almodóvar)

O cinema sob o olhar de Pedro Almodóvar (Tudo Sobre Minha Mãe, de 1999). Este notável diretor tem uma visão realista e de forte impacto na casta moralista que aí está. Má Educação é uma prova disso. Retrata a dissimulação, o homossexualismo e a pedofilia no seio da Igreja Católica.

Vale salientar que, neste filme, Almodóvar não  levanta polêmicas contra a Igreja, ao usar a figura de um padre no centro da trama, apenas  mostra a hipocrisia que rodeia todos nós. Claro que o foco está na doutrina romana e, sem ser agressivo, consegue fustigar o falso moralismo, que, sob a bandeira da salvação, intoxica os fracos de alma e os coitados dos ignorantes.

Foi o primeiro filme da história do cinema espanhol a abrir o festival de Cannes, em França,  isto no ano de 2004, mostrando que, aos poucos, o estilo do ousado cineasta  vai sendo “engolido” pelos conservadores que dominam a sétima arte.

O drama se desenrola na cidade de Madri, no ano de 1980, e retrata o reencontro de dois jovens vinte anos depois. As personagens são Enrique Goded (Fele Martinez) e Ignacio Rodriguez (Gael Garcia Bernal) que, na infância, viveram em um internato religioso. Na época, os dois foram vítimas da perseguição repugnante do Padre Manolo (Daniel Gimenez Cacho), que era apaixonado por Ignacio e, ao descobrir a intimidade entre a dupla de infantes, puniu Enrique, expulsando-o do colégio.

No estúdio de Enrique Goded – que é um cineasta – Ignacio leva ao amigo um roteiro cinematográfico intitulado A Visita, que narra parcialmente a trajetória vivida por ambos no tempo do ambiente “sagrado”. Após ler a história, Goded decide usá-la em seu projeto e aí começa mais uma imperdível e surpreendente sessão de Almodóvar.

O sexo deve ser vivido entre seres – adultos e conscientes – que se desejem e jamais forçado por qualquer outro meio, principalmente, contra inocentes e indefesas crianças. Não é apenas um filme pornô voltado para o público gay, como alguns críticos rotulam. Na verdade, é uma abordagem incisiva e ácida da conduta ética e moral daqueles que se intitulam orientadores divinos do destino de nós pecadores. É assim que vejo o pano de fundo que nos é mostrado pelo diretor que, inteligentemente, usa um filme dentro de outro para revelar o rosto de um pedófilo travestido de religioso.

Às vezes, imagino o cinema atual sem Almodóvar. Como seria? Sem dúvida, um vácuo, um vazio impreenchível. Um homem que tem a coragem de nos mostrar o lado escondido de falsos pregadores, especialmente  em um país católico como a Espanha é digno de aplausos. Realmente, somos premiados por este trabalho audaz.

O final é surpreendente e a todo instante o espectador tenta imaginar como tudo termina, uma vez que, novamente, entra em cena o padre Manolo já envelhecido, e, mesmo depois de tantos anos, continua sendo o asqueroso de outrora, pois não hesita em arquitetar um plano diabólico para manter sua verdadeira face às escondidas. Quantas faces gostaríamos de ver reveladas? Mais um atrevido filme para ser lembrado e pensado.

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Walter Filho

É Promotor de Justiça titular da 9a Promotoria da Fazenda Pública. Foi um dos idealizadores do PROCON de Fortaleza e ex-Coordenador Geral do DECON–CE. Participou e foi assistente de direção do premiado filme O Sertão das Memórias, dirigido pelo cineasta José Araújo. Autor dos livros: CINEMA - A Lâmina Que Corta e O CASO CESARE BATTISTI - A Palavra da Corte: A Confissão do Terrorista

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