“Não há conquista sem dor, nem aurora sem a escuridão que a precede.” (Nietzsche)
Nos tempos finais do faroeste ianque, ainda governado pela força bruta e pelo domínio masculino, Sérgio Leone criou para o cinema uma das mais pungentes narrativas sobre uma mulher em busca de um lar. Entrelaçada a essa jornada, ergue-se uma história de vingança entre homens feios, sujos e malvados — um crepúsculo de pólvora e poeira.
O filme é um réquiem na estrada da selvageria, sustentado por figuras memoráveis: o enigmático pistoleiro Harmonica (Charles Bronson), o frio assassino de aluguel Frank (Henry Fonda), a resiliente Jill (Claudia Cardinale), que carrega cicatrizes de outra vida, o fora-da-lei Cheyenne (Jason Robards) e o ambicioso Morton (Gabriele Ferzetti), símbolo do avanço implacável da ferrovia.
Revisitar essa obra é como abrir uma gaveta oculta da memória, onde repousam as imagens mais vívidas da minha vida de cinéfilo. A cena em que Frank dispara contra o pequeno Timmy ainda me paralisa. É um tiro não apenas no garoto, mas na consciência do espectador. É impossível assistir a essa covardia sem que o sangue ferva. Atirar em uma criança é mais do que selvageria — é a negação de qualquer traço de humanidade. “Covarde não é apenas quem foge da luta, mas aquele que descarrega sua força contra os indefesos.” (Sêneca). E confesso: as lágrimas são inevitáveis. Chorarei sempre.
Para suavizar o peso da tragédia dos McBain, Leone nos leva à estação de Flagstone, onde Jill desce do trem. Em uma sequência de rara maestria, o diretor recria o Oeste com uma riqueza de detalhes que não ignora o subtexto social: os carregadores de malas são índios e negros, confinados à base da pirâmide. Acompanhada pela trilha sublime de Ennio Morricone, Jill caminha, e nós somos arrastados junto com ela — como se a música fosse um fio invisível ligando o coração à tela.
O filme prossegue com uma melancolia que anuncia o fim de uma época. A narrativa deliberadamente lenta é um adeus aos velhos pistoleiros. Leone presta tributo a John Ford com os imponentes paredões de Monument Valley — um cartão-postal de uma era que já se desfaz. Os duelos caminham para a extinção; os trilhos, por sua vez, anunciam a chegada de novos tempos.
Mas antes que a civilização se imponha, Harmonica deve cumprir sua desforra. No Velho Oeste, a lei ainda era o revólver — e os fracos, invariavelmente, não tinham vez. O diretor ousa ao confrontar o rosto mestiço e sofrido de Charles Bronson (Fugindo do Inferno, 1963) com os olhos frios e azuis de Henry Fonda (Vinhas da Ira, 1940), subvertendo os arquétipos de herói e vilão.
Era Uma Vez no Oeste é mais do que uma crônica de sangue e poeira. É uma elegia sobre o fim dos homens maus e o renascer de uma mulher em meio às ruínas. É sobre dor, mas também sobre recomeço, porque no Oeste — e na vida — só sobrevive quem transforma a perda em força.
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