Amargo Pesadelo (1972)

O GRITO QUE ECOA NA SELVA

“Não se vence. Não se vence este rio.”
(Lewis antes da agonia)

Existem filmes que não devem ser esquecidos. Devem ser revistos, revisitados — e, ao mesmo tempo, usados como um convite aos cinéfilos de hoje para olharem para trás. Isso nem sempre é fácil: a comunicação de massa ignora o cinema do passado. Existe uma verdadeira neurose por lançamentos — até mesmo os descartáveis ganham mais espaço do que obras fundamentais.

Este é um filme merecedor de destaque. Uma obra dirigida com firmeza por John Boorman (Esperança e Glória, 1987), que nos conduz a um mergulho na natureza selvagem de homens desesperados, revelando a bestialidade de atos incivilizados. Infelizmente, essa barbárie não é coisa do passado. Está acontecendo neste exato momento — há sempre um grito no escuro, ainda que abafado. “O homem é o lobo do homem”, lembrava Hobbes — e às vezes o uivo ecoa dentro de nós.Aproveito para homenagear um ator injustamente rebaixado na escada de Hollywood: Burt Reynolds. No filme, vive o aparente líder, Lewis. Sua atuação supera a de muitos canastrões agraciados pela Academia — premiações cada vez mais artificiais, voltadas a interesses comerciais. O elenco se completa com Jon Voight, Ronny Cox e Ned Beatty.

A trama gira em torno de quatro amigos que se lançam em uma despedida de um rio que será represado. Em duas canoas, eles descem pelas corredeiras. Tudo parece uma simples aventura. O início revela uma atmosfera tranquila — mas sentimos que algo está prestes a acontecer. Boorman é sutil: no primeiro contato com os nativos, o garoto que toca banjo recusa o cumprimento de Drew. E a presença de uma arma de fogo no carro é outra pista de que algo violento se aproxima. Há tensão nas entrelinhas.

O filme é de uma crueza impressionante. Desde a tentativa de enterrar um corpo sem ferramentas até a escalada desesperada por um penhasco. Um dos momentos mais dolorosos é quando afundam o corpo do amigo Drew (Ronny Cox) na correnteza. Carregar o cadáver significaria enfrentar uma investigação policial. Era preciso apagar os rastros da tragédia. Mas como explicar à família que ele ficou para sempre no fundo das águas? Nada disso é simples — a não ser para os heróis infalíveis projetados nas telas.

É um filme que nos arranca da fantasia. Em algum ponto da vida, podemos nos deparar com situações limite. E é aí que se exige atitude. Fora do cinema, a vida impõe desafios que não são para os fracos. A fraqueza enterra trajetórias. O covarde não vive — apenas assiste ao tempo passar, escondendo-se de si mesmo.

Há uma frase dita pelo seviciado Bobby (Beatty) que permanece ressoando: “Existe algo nestas árvores e neste rio que nós perdemos nas cidades.” O que seria? É atrás das árvores que se escondem os sádicos, os cruéis, que infligem ao grupo uma dor abissal. Mas a violência não está restrita à floresta. Ela existe em todos os lugares. O perigo nos ronda — basta um deslize, uma escolha errada — e tudo pode mudar para sempre.

Afinal, como escreveu Roger Scruton, “A barbárie não está do lado de fora, mas adormecida no coração humano, à espera de um pretexto.”

Veja:

 

WhatsApp
Facebook
Twitter
Telegram
Imprimir
Picture of Walter Filho

Walter Filho

É Promotor de Justiça titular da 9a Promotoria da Fazenda Pública. Foi um dos idealizadores do PROCON de Fortaleza e ex-Coordenador Geral do DECON–CE. Participou e foi assistente de direção do premiado filme O Sertão das Memórias, dirigido pelo cineasta José Araújo. Autor dos livros: CINEMA - A Lâmina Que Corta e O CASO CESARE BATTISTI - A Palavra da Corte: A Confissão do Terrorista

Deixe um comentário