Sindicato de Ladrões (1954)

Stanislavski nos convinha porque não tornava magnífico o homem heroico, mas o herói em cada homem. Essa ideia russa da alma profunda num ser apagado combina bem com o temperamento americano.
(Elia Kazan)

Sob direção de Elia Kazan, este marcante drama mergulha no submundo de um sindicato de estivadores e, principalmente, mergulha no conflito interior de Terry Malloy (Marlon Brando) – um ex-pugilista que vive à sombra de um corrupto chefão que atua nos bastidores das docas. A pedido de seu chefe, ele atrai – sem saber – um jovem estivador para a morte. A partir deste crime, ecoa um grito na consciência de Terry e é disto que o filme trata. Por não comungar com o homicídio encomendado por seus companheiros, ele fica dividido entre denunciá-los ou não às autoridades.

Edie Doyle (Eva Marie Saint) a irmã do homem assassinado, demonstra toda sua revolta e indignação diante do padre Barry (Karl Malden – A Face Oculta, de 1961) que tenta acalmá-la – ela quer justiça para os responsáveis pelo crime. As cenas brutais e intimidantes na igreja, onde estão reunidos humildes trabalhadores é uma demonstração da falta de escrúpulos dos mafiosos, que para manterem o poder e a impunidade de seus delitos são capazes de quaisquer atrocidades.

Disse Kazan em seu livro: “Se houver uma performance de um homem na história do cinema norte-americano mais perfeita do que deste homem, então não sei do que estamos falando”. Brando mudou a maneira de interpretação no mundo das telas, inclusive, foi premiado por esta atuação – recebeu o Oscar de melhor ator. Se olharmos a cena final no píer e compararmos com a vivida por Robert De Niro em Os intocáveis, de 1987, quando discute com Kevin Kostner, na escadaria do hotel, veremos o legado de Brando para o cinema. Excelentes atuações de Lee J. Cobb, vivendo o chefão Johnny e Karl Malden, o reverendo que incentiva os estivadores a denunciarem os criminosos.

O filme continua a ser um alerta vermelho para a criação de mecanismos legais para estancar a pretensão de preguiçosos e ladrões de viverem protegidos sob o escudo dessas associações e que, na verdade, enganam a coletividade e os próprios associados, defendendo apenas interesses de uma meia dúzia de delinqüentes e pelegos. É um trabalho que goza da unanimidade entre os críticos e está em todas as listas de preferidos. Trilha sonora inesquecível de Leonard Bernstein.

A consciência é um transe intuitivo que mexe com as pessoas, levando-as a tomar atitudes muitas vezes surpreendentes. É o que acontece com Terry, pois, diante do assassinato de Joey, começa a sentir-se culpado de alguma forma e resolve denunciar os amigos e colegas – ele quer resgatar sua honra e seu amor próprio.

A atitude do ex-lutador leva os dirigentes a tratá-lo como um delator, inclusive, mandam seu irmão Charley Malloy (Rod Steiger), que faz parte da cúpula do sindicato, pressioná-lo para que desista de comparecer perante a comissão que investiga os crimes portuários. A cena no interior do carro, entre os irmãos, mesmos com as ameaças, é mostrada com suavidade e carinho, mas termina separando-os em definitivo – Charley é assassinado por fracassar na missão. A morte do irmão aumenta a ira de Terry, que vai depor por tudo que viu e viveu, sobretudo, pela sua dignidade. Além do despertar da honradez, ele está motivado pelo amor que nutre por Edie Doyle.

Kazan disse que fez a película como uma forma de justificar seu testemunho perante o Comitê de Atividades Anti-Americanas da Câmara dos Deputados, quando denunciou os envolvidos com o partido comunista. Isto não é relevante, pois não tira o brilho desta imortal obra cinematográfica.

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Walter Filho

É Promotor de Justiça titular da 9a Promotoria da Fazenda Pública. Foi um dos idealizadores do PROCON de Fortaleza e ex-Coordenador Geral do DECON–CE. Participou e foi assistente de direção do premiado filme O Sertão das Memórias, dirigido pelo cineasta José Araújo. Autor dos livros: CINEMA - A Lâmina Que Corta e O CASO CESARE BATTISTI - A Palavra da Corte: A Confissão do Terrorista

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