O Adversário (2002)

Agora que tudo não existe mais…Não sei se minha morte poderá nos salvar.
(Jean-Marc gravando sua loucura)

Este filme mostra fatos ocorridos na França, no ano de 1993. Um homem engana sua família e amigos, terminando por matar inocentes e indefesos membros familiares. Durante as investigações, a polícia francesa conseguiu descobrir a farsa montada pelo assassino – um falso profissional, um mentiroso e um escroque comum.

Neste drama, o principal personagem é vivido pelo versátil ator francês Daniel Auteuil, que interpreta a vida do falso médico Jean-Marc Faure, que na vida real chama-se Jean-Claude Romand; ele está vivo, infelizmente.

Trata-se de um longa-metragem estarrecedor e que mostra a fragilidade do ser humano diante dos monstros que ele próprio cria. Foi isto que Jean-Marc criou dentro de si: uma criatura capaz de matar os pais, a mulher e os filhos e, ao mesmo tempo, um covarde que não teve a coragem de enfrentar a verdade que estava prestes a ser desnudada. A frieza das mortes é impressionante e as tomadas com Auteuil (Um Coração no Inverno, de 1992) são imagens que chocam.

Há um filme feito um ano antes que tem semelhança com este; A Agenda – bem dirigido pelo cineasta Laurent Cantet. Existem algumas comparações entre as obras e procuram diminuir o trabalho da diretora Nicole Garcia em O Adversário, por ter sido rodado depois. São obras diferentes, pois a abordagem de Cantet fica no plano da indignidade de um desempregado e a de Nicole explora os atos tresloucados de um homem visto como normal no meio em que vive.

O diferencial do trabalho de Nicole é a sutileza da narrativa, mesmo remontando fatos abjetos e repugnantes. Não há o pré-julgamento anunciado e as filmagens são em flashbacks, o que melhora muito a percepção da perfidiosa trajetória de Jean-Marc. Todos os dias ele beijava a mulher Christine (Géraldine Pailhas) antes de ir ao fictício trabalho, demonstrando ser um homem realizado. Seus amigos e familiares nunca desconfiaram de nada e, durante longos dezoito anos, o impostor construiu um mundo de mentiras em sua volta para sustentar sua própria vida, a qual foi alimentada por uma mente doentia e incapaz de enfrentar os desafios que nasceram nos tempos da Faculdade de Medicina, quando perdeu os exames regulares.

Daí pra frente tudo foi uma farsa bem arquitetada. Um plano diabólico que destruiu vidas e aterrorizou uma comunidade. Infelizmente, há momentos que estamos cara a cara com a tragédia.
Hoje, o sucesso profissional é uma imposição da própria sociedade e, muitas vezes, as artimanhas para consegui-lo, levam pessoas a praticarem os atos mais vergonhosos possíveis. As dissimuladas aparências são facetas que enganam seus atores.

Dizem que uma mentira não perdura no tempo e um dia tudo é descoberto. Na verdade, Jean-Marc sentiu este momento, precisamente, quando as falcatruas financeiras ameaçavam vir à tona, pois esta revelação iria desmascará-lo. Diante das circunstâncias, ele escolheu o mais doloroso caminho – eliminar seus entes queridos, inclusive, sua amante, para não enfrentá-los.

No livro homônimo de Emmanuel Carrère, no qual o filme foi baseado, existe uma passagem revelando que o Jean verdadeiro fora rejeitado sexualmente por sua mulher – pelo fato de ser gordo – um dado que pode ter contribuído para o seu desajustado estado psíquico.

O que emana deste filme é a certeza de que uma mentira pode enganar muita gente, até aqueles que estão próximos, mas, certamente, não enganará o próprio farsante. Ele não tem como fugir do angustiante drama de consciência. O assassino tentou justificar seus crimes com uma frase simplória: Nossa religião diz que há sempre um perdão, uma remissão possível. Não, não tem perdão. Existe um lugar para abrigar Jean-Marc? Sim, o inferno.

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Walter Filho

É Promotor de Justiça titular da 9a Promotoria da Fazenda Pública. Foi um dos idealizadores do PROCON de Fortaleza e ex-Coordenador Geral do DECON–CE. Participou e foi assistente de direção do premiado filme O Sertão das Memórias, dirigido pelo cineasta José Araújo. Autor dos livros: CINEMA - A Lâmina Que Corta e O CASO CESARE BATTISTI - A Palavra da Corte: A Confissão do Terrorista

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