Meu Ódio Será Sua Herança (1969) – The Wild Bunch

Todos sonhamos em ser criança de novo. Até os piores. Talvez os piores desejem mais.
( Velho mexicano para Pike Bishop)

Um filme que não retrata apenas a violência, como muitos rotularam, pelo simples fato de ter na direção Sam Peckinpah – considerado por alguns críticos um esteta da pura violência. Na verdade, o tema central  é sobre homens decadentes em uma época que estava chegando ao fim – a vida de bandoleiros no western dos Estados Unidos.

A versão que foi lançada em vídeo restaurou o tempo original – 144 minutos – e possibilitou uma visão melhor dos objetivos do diretor, portanto, quem já viu deve vê-lo novamente e, assim, perceberá que este trabalho de Peckinpah (A Cruz de Ferro, de 1976) não é um tributo à violência desmedida.

Trata-se de um clássico do gênero faroeste que explora o lado psicológico dos quadrilheiros, envolve-os na trama pelo peso dramático que representam e não pela simples empatia com o público espectador. Foi, sem dúvida, a obra que melhor estereotipou o seu estilo realista em cenas alternadas de ritmos – intercala momentos lentos e agitados que só parecem possíveis em suas mãos.

A história acontece no ano de 1913, quando um bando liderado por Pike Bishop (William Holden) planeja realizar o último trabalho. A missão consiste em assaltar um carregamento de armas e levá-las a um combatente mexicano. Os salteadores estão envelhecidos e parecem cansados demais para a espinhosa empreitada. Tudo leva a crer que nada vai terminar bem e eles estão conscientes de que o fim está realmente próximo.

O grupo é composto pelos renegados Dutch Engstrom (Ernest Borgnine) Freddie Sykes (Edmond O’Brien), Tector Gorch (Ben Johnson – Os Implacáveis, de 1972), Angel (Jaime Sánchez) e Lyle Gorch (Warren Oates). No encalço dos fora da lei está o ex-bandido Thornton (Robert Ryan) que comanda homens não confiáveis e, se não capturar os desalmados, voltará para a prisão. Neste plano, percebemos que os bandidos têm um código de ética – você  faz o que puder pelos companheiros – e aqueles que se dizem defensores da lei (os bons) passam por cima de qualquer norma de conduta para perpetrar seus objetivos; além de descartar qualquer colaborador depois do êxito da operação.

Os cultuados generais mexicanos – a maioria – que empunharam armas na luta pela “salvação” do México, não passavam de bêbados e assassinos que não hesitavam em matar até seus compatriotas,  bastando ver o assassinato a sangue frio de um pistoleiro mexicano. Outra cena marcante acontece quando um criminoso atira em uma mulher, enchendo-a de chumbo de forma fria e covarde. As mulheres são sempre mostradas como vadias e prostitutas, pois sequer possuem nomes; uma verdade de um tempo exacerbado pela brutalidade machista.

As cenas mais violentas acontecem no início e no final do filme. Na abertura, temos um assalto frustrado a um banco, onde vários civis são envolvidos no episódio. Na parte derradeira, um homem é arrastado pelas ruas. Pike olha a cena trágica e retruca: “Deus, eu detesto ver isso”.

No massacre final, o sangue jorra na rua empoeirada. Há pessoas gritando; há gente morrendo. São momentos chocantes, mas sabemos que tudo aquilo existiu e continua a existir. Os tempos modernos são iguais, as marcas da incivilidade estão presentes no dia a dia de todos e em quase todos os lugares.

Meu Ódio Será Sua Herança é o crepúsculo de uma época. Um retrato nostálgico de uma era – western – que morreu e, ao mesmo tempo, o alvorecer de um clássico cinematográfico que ficará para sempre nas memórias dos amantes do cinema.

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Walter Filho

É Promotor de Justiça titular da 9a Promotoria da Fazenda Pública. Foi um dos idealizadores do PROCON de Fortaleza e ex-Coordenador Geral do DECON–CE. Participou e foi assistente de direção do premiado filme O Sertão das Memórias, dirigido pelo cineasta José Araújo. Autor dos livros: CINEMA - A Lâmina Que Corta e O CASO CESARE BATTISTI - A Palavra da Corte: A Confissão do Terrorista

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