O cinema se tornou a minha vida. Não como se fosse um mundo paralelo, mas a minha própria vida. Às vezes, eu tenho a impressão de que a realidade do dia-a-dia está simplesmente lá para fornecer material para o meu próximo filme
(Almodóvar)
Quando resolvi criar este blog tinha e tenho duas intenções: divulgar o cinema e construir amizades. Isto vem acontecendo. E uma das amizades que nasceu foi com o cinéfilo, ator e crítico português Fernando Palaio. Portanto, este comentário de mais uma obra do diretor Pedro Almodóvar (Abraços Partidos, de 2002) é uma forma de expressar minha gratidão pelos incentivos que tenho recebido do Palaio – gestos que jamais esquecerei – e, sobretudo, porque sei que Matador é um de seus filmes preferidos.
A Espanha é um país onde a dança e as batalhas nas arenas – o gosto por sangue – se misturam na cultura de seu povo. A violência contra os touros é diluída na medida em que se busca o prazer de conquistar, dominar e vencer. Fica difícil dizer para eles que um animal está sendo sacrificado. Não nos esqueçamos de que o cordeiro imolado, morto também de forma cruel, simboliza a oferenda dita sagrada para muitos fiéis.
A película narra à história de Angel (Antonio Banderas) – um aprendiz de toureiro em conflito consigo mesmo e sufocado pela intolerante mãe Berta (Julieta Serrano), que quer de qualquer modo forçá-lo a viver dentro da religiosidade de sua família, seguindo os ditames sagrados do catolicismo – Opus Dei. Nas primeiras cenas, Almodóvar genialmente cruza situações – um toureiro ensinando a matar um touro e uma mulher misteriosa atraindo um homem para uma relação sexual e morte. Ela mata-o, sem piedade, com uma “alfinetada” na região occipital no momento mais prazeroso.
O aluno Angel resolve se mostrar viril quando tenta estuprar sua vizinha Eva Soler (Eva Cobo). Na verdade, o jovem sequer consegue a penetração no corpo da vítima, de modo que o ato não foi consumado – ele ejaculou antes nas pernas de Eva; mas a violência sexual é concretizada. Não satisfeito com seu decepcionante ato, reivindica a autoria de quatro assassinatos que estavam sendo investigados pela polícia. Angel assume os crimes perpetrados por outrem em face das visões que o atormentam e dos conflitos interiores que carrega e; também, como uma forma de ser reconhecido como homem. Seu mestre é um ex-toureiro que vive em uma mansão e ensina a arte da tauromaquia – combate com touros. O ex-matador é Diego Montes (Nacho Martínez) que para continuar sentido o prazer de matar os touros na arena, resolve substituir os animais por mulheres. Matá-las no momento final é uma forma de perversão que satisfaz o asqueroso assassino.
A defesa de Angel é confiada a advogada Maria Cardenal (Assumpta Serna), uma mulher enigmática e apaixonada pelo ex-toureiro Diego Montes. Ela colecionava tudo que tinha relação com a arte de Diego, sobretudo, seu traje de batalha (traje de luces). Nos tempos do “sangue sobre a areia”, Cardenal não foi correspondida pelo matador e, não se conformando, resolveu imitá-lo, matando não os touros, mas quem vai para a cama com ela.
Os mistérios vão se esclarecendo e percebemos que Angel é, na verdade, um paranormal que contribui com suas visões extrassensoriais para as descobertas dos assassinatos. A polícia encontra os corpos de duas alunas de Diego nos jardins da casa e, infelizmente, não consegue prendê-lo, uma vez que ele e sua admiradora Cardenal resolvem chegar a um clímax de prazer – matarem-se da mesma forma cruel que faziam com suas indefesas vítimas.
Matador é uma obra magistral que revela atitudes perversas para a satisfação de desejos, nem que isto custe o sofrimento de outros – o que muitos vivem fazendo todos os dias. Mais uma vez, Almodóvar nos brinda com um filme intrigante que em suas mãos flui com certa naturalidade, parece ser a existência lá fora falada por ele.
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