Esmaguei uma aspirina e coloquei o pó num dos pratos da balança, no outro pus igual quantidade de cianeto, deixei a quantidade de água que ele pediu num copo e coloquei uma palinha.
(Ramona Maneiro – que na vida real foi cúmplice de Ramón)
O filme narra a angústia do espanhol Ramón Sampedro em busca da morte, pela via legal. Ele é um homem tetraplégico. Por que esta opção? Talvez sua vida não tenha mais sentido ou o encanto de outrora tenha desaparecido. A morte é uma saída ou um fim de uma existência? Acho que encerra tudo, tudo mesmo.
Na película temos a forte interpretação do ator Javier Bardem (Onde os Fracos Não Tem Vez, de 2007) como o enfermo Ramón, que sofreu um traumatismo durante um mergulho, quando ainda era jovem. O tempo passou e, sem nenhuma perspectiva de reverter a situação, ele suplica o auxílio de seus componentes familiares para fazer cessar o amargo viver. Os parentes recusam participar do triste fim, pois, além do laço afetivo, são contrários a eutanásia – morte serena – pretendida pelo paciente, que vive tetraplégico em uma cama, mexendo apenas a cabeça. Ele não tem mais o apego ilimitado à vida, quer somente fazer cessar a dor que não suporta mais carregar.
Mesmo em seu estado de invalidez, ele consegue despertar o interesse de uma mulher chamada Rosa (Lola Dueñas) e que, no primeiro momento, não é correspondida. O drama envolve o ciúme e a imaginação das personagens em seus sonhos e lembranças, que não se apagam. Filme que nos leva a refletir sobre o que somos diante das adversidades. Se, às vezes, nos deprimimos por coisas bem mais simples, imagine-se a sobrevida de um homem sem perspectiva de absolutamente nada, nem mesmo o prazer de uma caminhada, de um gesto carinhoso com a parceira ou algo mais.
O jovem diretor Alejandro Amenábar (Os Outros, de 2004) tem uma sensibilidade ímpar, principalmente quando o enfermo imagina uma travessia até a praia para encontrar a desejada Julia (Belén Rueda) que é sua advogada. No imaginário caminho ele sobrevoa belas paisagens ao som de Nessum Dorma de Puccini, sem dúvida, um momento que toca. As lágrimas ou o embargo na garganta são inevitáveis.
O desejo de morte é formalmente levado ao Poder Judiciário, que analisa o pedido para a prática da eutanásia e, como sempre, entra no palco a hipocrisia religiosa e seus defensores, causando asco com seus argumentos tolos e sensacionalistas. É fácil demais pintar-se de salvador diante da miséria e dor alheia – diria que é um ardil usado pelos possuidores de espíritos limitados.
A Corte espanhola nega ao suplicante o direito de se matar, levando-o, infelizmente, a buscar meios clandestinos e ilegais. Ramón não pode executar o gesto fatal sem auxílio de outrem – que é crime em nosso sistema penal e não devemos praticá-lo – uma vez que não tem meios para tal e, assim, busca no amor de uma mulher a força que necessita para estancar o infortúnio.
Alguns países avançaram na legislação para autorizar a condição legal da morte de pacientes terminais, como Austrália, Holanda e Japão. “A vida é um direito e não um dever”. É com esta verdade que a personagem justifica seu desejo. Querer que se viva eternamente condenado a uma vida de sofrimento é cruel.
Ramón Sampedro tem o direito de morrer, devidamente autorizado pelo Estado, pois a vida é um bem pessoal e, no caso específico, a justiça não deveria ter negado a súplica. Vale salientar, que o ato de Ramón é consciente, portanto, ele sabe o que faz.