Mad Max – Estrada da Fúria (2015)

Quando o Futuro Ignora o Passado

“Diante de tamanha descaracterização, talvez fosse mais honesto matar Max já nas primeiras cenas e poupar os fãs da dor de vê-lo esvaziado.”

Em seu novo trabalho, de inegável apuro visual apocalíptico, o ousado diretor escolheu esquecer – ou pior, desprezar – as raízes que fizeram de Mad Max um marco do cinema distópico. Logo na cena de abertura, impediu a personagem Max de conduzir seu lendário Ford Falcon V8 Interceptor, símbolo máximo de liberdade, vingança e identidade nos episódios I e II. A decisão é mais que simbólica: é um atestado de que o herói foi destituído de sua essência.

O atual Max, interpretado por Tom Hardy, nada carrega do ex-policial idealista e atormentado vivido por Mel Gibson. Reduzido a um homem mudo, errante, quase um objeto de cena, ele deixa de ser protagonista para tornar-se um coadjuvante da própria saga. O guerreiro solitário, forjado na dor da perda brutal da esposa e do filho, é aqui um fantoche sem memória e sem causa. Uma pena – e uma covardia narrativa.

A trama, por sua vez, não apresenta qualquer inovação. Sai do nada e vai a lugar nenhum. Tudo já vimos antes: perseguições a caminhões , vilões deformados escondidos atrás de máscaras, combates estilizados no deserto, explosões, poeira. A diferença? Um guitarrista insano pendurado num caminhão (que, por incrível que pareça, virou ícone entre os mais jovens) e um grupo de simpáticas velhinhas armadas. Apenas isso.

O vilão Immortan Joe é uma réplica, quase caricatural, do antagonista do episódio II. Ambos escondem doenças e deformidades atrás de máscaras grotescas. O embate central – a luta para proteger um comboio sobre rodas – não passa de uma reedição pálida de Mad Max II – A Caçada Continua (1981), que, sem dúvida, segue sendo o mais emblemático de todos. Diante de tamanha descaracterização, talvez fosse mais honesto matar Max já nas primeiras cenas e poupar os fãs da dor de vê-lo esvaziado.

Mad Max I e II não são apenas filmes de ação. São fragmentos de uma juventude marcada por tragédias, estradas sem lei e a omissão do Estado diante do caos. A fúria de Max emergiu do drama pessoal, da injustiça, da barbárie. Foi um grito desesperado diante do colapso civilizatório – algo que, tristemente, ressoa ainda hoje. O novo filme ignora essa origem e tenta vender ruído e velocidade como substitutos de densidade.

Para quem viveu o impacto visceral da trilogia original, resta apenas o saudosismo. A lembrança do ronco do motor, da dor contida nos olhos de Max, da estrada como palco de vingança e redenção. Era mais que cinema – era mito. E mitos não deveriam ser reciclados com pressa. Eles merecem reverência.

Trailer:

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Walter Filho

É Promotor de Justiça titular da 9a Promotoria da Fazenda Pública. Foi um dos idealizadores do PROCON de Fortaleza e ex-Coordenador Geral do DECON–CE. Participou e foi assistente de direção do premiado filme O Sertão das Memórias, dirigido pelo cineasta José Araújo. Autor dos livros: CINEMA - A Lâmina Que Corta e O CASO CESARE BATTISTI - A Palavra da Corte: A Confissão do Terrorista

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