Que ingenuidade pedir a quem tem poder para mudar o poder.
(Giordano Bruno)
É impossível perdoar os crimes praticados pela Igreja Católica, principalmente os que foram perpetrados durante o negro período da Santa Inquisição, oficializada em 1186 no Concílio de Verona. Este tempo – prolongou-se até meados do século XIX – foi iluminado pelas chamas crepitantes ateadas nos corpos humanos daqueles que, de alguma forma, duvidavam ou mesmo questionavam os dogmas elegidos como sagrados pelos cardeais da Cúria Romana.
Foi nesta perversa e desumana era que viveu um dos filósofos mais injustiçados de sua época, o italiano Giordano Bruno, nascido na cidade de Nola, no ano de 1548, e queimado vivo por decisão do Tribunal da Inquisição, no Campo dei Fiori, em Roma, no dia 17 de fevereiro do ano de 1600, sob a acusação de prática de heresia.
O trabalho do diretor Giuliano Montaldo (Sacco e Vanzetti, de 1971) é o resgate de uma verdade histórica, escondida pelo Vaticano e só foi possível realizá-lo com riqueza de detalhes em face da publicação da sentença oficial do caso Bruno em 1933, por Vicenzo Spampanato, uma vez que estes dados permitiram a Montaldo retratar o período em que o escritor esteve preso em Veneza, onde o martírio foi iniciado.
Durante a tramitação do primeiro processo em Veneza, Bruno, que tinha sido traído pelo asqueroso e falso amigo Mocenigo, conseguiu convencer seus acusadores. Tudo caminhava para uma solução pacífica. O Papa Clemente VIII (1592-1605), no entanto, alegando soberania em casos de heresia, pediu sua extradição, tendo esta solicitação sido concedida sob pressão romana em 1593. Um novo processo foi aberto em Roma. Por longos sete anos, ficou encarcerado na prisão do Santo Ofício, ao lado da igreja de Pedro, sendo torturado de forma impiedosa. Para justificarem seus atos cruéis, os inquisidores forjaram acusações e forçaram testemunhas a depor contra o acusado, que fez a própria defesa. Os argumentos do Filósofo não foram aceitos pelo tétrico tribunal.
No papel de Giordano Bruno está o ator Gian Maria Volonté (Investigação de um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, de 1971, em cujo filme também trabalha a cearense Florinda Bolkan), numa atuação magnífica, transmitindo ao espectador uma verdade a que não estamos habituados. Um dos crimes deste homem foi dizer que o universo era infinito, composto por um número infinito de mundos – a terra era apenas um deles. “Ainda que isso seja verdade, não quero crê-lo; porque não é possível que esse infinito possa ser compreendido pela minha cabeça, nem digerido pelo meu estômago…” Búrquio, num diálogo de G. Bruno, in “… do infinito, do universo e dos mundos”.
Disse, ainda, dentre tantas outras verdades, que existem dois tipos de religião: a dos ignorantes e a dos doutos. Sabemos que a religião dirigida ao povo leigo é um artifício usado para incutir o medo e dominar os fracos e incultos – fomentada por argumentos contrários à razão. Já os doutos religiosos usam o conhecimento para controlar e dirigir o cego rebanho.
Sei que o grande público jamais verá este filme e, tampouco, os poderosos dos meios cinematográficos têm interesse em divulgá-lo – poderia causar certo desconforto entre os emplumados do poder religioso. A cena final do cortejo que conduz Bruno até o “altar da fogueira” é vigorosa. Amordaçaram-no qual animal bruto, como forma de silenciá-lo diante dos espectadores. O pior foi o silêncio da multidão.
Giordano Bruno é uma chama bem acesa em nossas consciências e suas palavras não se perderam no universo infinito, pois ecoam e ecoarão para todo o sempre, como uma luz rompendo a escuridão que ainda persiste em milhares e milhares de ignorantes. Um filme para a história.