Era Uma Vez na América (1984)

Sérgio Leone, com suas próprias palavras, nos informa o que o motivou a realizar esse filme complexo: a infância. E é de uma certa infância que o filme trata de maneira soberba.
(Ugo Giorgetti)

Na análise do filme O Poderoso Chefão, de 1972, dirigido por Francis Ford Coppola, abordo temas como lealdade e amizade – mesmo num ambiente onde o crime impera. Neste filme de Sergio Leone – onde o crime também impera – falo também de amizade e, sobretudo, da vida quando criança e, assim, foi possível revisitar um lugar inesquecível na minha memória, que é a minha infância e parte da minha juventude enterrada – cedo demais assumi compromissos, que honrei com muita determinação.

Um dos momentos que mais me tocou nesta obra-prima está na cena em que o grupo de adolescentes caminha próximo a ponte e o menor da turma se distancia e começa a dançar. É a inocência retratada na grande tela e que nos transporta a uma parte mais sincera e mais verdadeira de nossa existência – a infância. É nesta fase da vida que acreditamos no mundo encantado que existe dentro de nós e que, infelizmente, vai aos poucos sendo minado e destruído pela perversa sociedade por meio de normas falseadas, traições e selvagerias de embrutecidos humanos.

Robert De Niro é o astro principal. Ele interpreta o mafioso David Noodles em uma Nova York mostrada desde os anos vinte – a máfia se enraizando na cosmopolita e bela Big Apple. Ele faz parte de um grupo de garotos que fizeram um juramento de lealdade – a amizade acima de tudo. O elenco é completado por Elizabeth McGovern (Deborah), James Woods (Max Bercouicz), Burt Young (Joe), Larry Rapp (Fat Moe) e Treat Williams (Jimmy O’Donnell), além de outros. A história é narrada em flashbacks e Jennifer Connelly (Uma Mente Brilhante, de 2001) é quem vive a jovem Deborah – a grande paixão da vida de Noodles, que quando era garoto, a espionava  dançar através de uma fenda na parede.
O trabalho de Sergio Leone (Quando Explode a Vingança, de 1971) não é focado somente na vida criminosa de gangsteres, mas, sobretudo, na infância roubada de crianças sugadas para o mundo da criminalidade, que, no primeiro momento é visto como uma forma de se ganhar status e ser respeitado pela força do dinheiro. Claro que na visão dos mafiosos o crime é uma forma rápida de ascensão social e não há como negar isto. As ações do crime organizado se assemelham de alguma forma com os métodos usados por grandes corporações capitalistas – o teste de uma vacina pode ser feito nos pobres e negros da África. Se der errado? Não tem problema, não se cometeu nenhum crime, apenas mortes lamentáveis. É esta a resposta de muitos perversos que estão mundo afora recebendo prêmios, quando deveriam estar na cadeia.

Os filmes de Leone são marcados por silêncios longos e fundos musicais marcantes. Nesta película, Ennio Morricone dá o toque de refinamento. Fica difícil, não se olhar dentro do filme. O retrato da vida juvenil exposto pelo diretor é, sem de duvida, um dos mais belos da história do cinema.
Para alguns críticos mais detalhistas, um filme tem de ser perfeito, sem erros, mesmo aqueles de percepção difícil não são perdoados. Há críticas contra o trabalho de Leone pelo fato das notas de dólares na valise aberta por Noodles pertencerem a um tempo futuro, ou seja, as notas são assinadas por um secretário estadunidense que ainda não existia na época. Detalhes imperceptíveis no primeiro olhar, mas, nem de longe, pode ser usado como meio para diminuir este monumento que é Era Uma Vez na América.

Como acontece na vida real, o pacto celebrado entre os jovens na adolescência é quebrado já na fase adulta. Existe um traidor no grupo. São os desdobramentos da traição marcantes na vida dos dois principais personagens: Noodles e Max. Enquanto o primeiro vai para a cadeia, o segundo monta um império à custa de seus traiçoeiros expedientes.

Era Uma Vez na América é um tributo ao cinema de qualidade. Uma elegia a nossa infância inolvidável. Uma emoção que me fez chorar. Diz Roger Ebert: “Se o filme emociona profundamente, então é mais que um filme”.

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Walter Filho

É Promotor de Justiça titular da 9a Promotoria da Fazenda Pública. Foi um dos idealizadores do PROCON de Fortaleza e ex-Coordenador Geral do DECON–CE. Participou e foi assistente de direção do premiado filme O Sertão das Memórias, dirigido pelo cineasta José Araújo. Autor dos livros: CINEMA - A Lâmina Que Corta e O CASO CESARE BATTISTI - A Palavra da Corte: A Confissão do Terrorista

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