O último grande sonho político foi o socialismo, e ele se provou não exatamente errado, mas inviável. Quando penso no futuro sou assaltado por um grande vazio. (Denys Arcand)
É o reencontro de vários integrantes de O Declínio do Império Americano, que o diretor Denys Arcand fez em 1986. É um dos filmes mais belos jamais vistos e, um desafio para nossa geração, tão bombardeada por dogmas e doutrinas inócuas. A principal personagem é Rémy (Rémy Girard), um professor universitário de Montreal, em seus últimos e derradeiros momentos.
O drama narra a cerimônia do adeus deste intelectual cínico e falso moralista, que viveu os sonhos revolucionários e percebeu o domínio do capital no mundo globalizado. As emoções que emanam deste drama comovem-nos pelo fato de abordar relação entre pais e filhos, liberdade para viver e liberdade para morrer.
Lamentavelmente, nem todos compreendem a mensagem do filme e tecem críticas tão tolas e infundadas. Fica difícil combater mentes tão pequenas e que contribuem para o quadro de miséria humana em que vivemos. O diretor mostra que somos invadidos por todos os tipos de barbaridades, no dia a dia comum, pois temos um sistema cruel, dissimulado, desumano, que lentamente vai minando nossas consciências, levando-nos à cegueira branca e a comungar com muitas atrocidades estatais.
Ao discutir os temas – religião, o mundo das drogas com a conivência do Estado, eutanásia e as doutrinas políticas, o diretor nos convida a uma reflexão mais profunda, mais ousada. Uma das “Invasões Bárbaras” da humanidade foi a religião, meio severo de impingir ao homem o medo do castigo e prometer-lhe um paraíso fictício, embora o filme não seja mera discussão religiosa.
Acometido de câncer raro, Rémy vive seus últimos dias cercado por poucos amigos, além de sua ex-mulher e do filho mais velho Sébastien (Stéphane Rousseau) que tudo faz para proporcionar ao doente um final menos amargo. Para isto, contrata uma assistente, suborna sindicalista, adquire entorpecentes para amenizar a dor do pai e compra a visita de alunos. A corrupção se faz presente e o dinheiro é arma poderosa para suavizar o doloroso tratamento de Rémy.
Na verdade, Sébastien vive distante, no mundo dos negócios, e a reconciliação é meramente por sentimento de piedade, pois ele sabe o sofrimento e as dificuldades que a mãe Louise(Dorothée Berryman) carregou em nome da falsa “liberdade sexual” defendida pelo velho mestre, que esqueceu seu papel de pai. A filha está em alto-mar e, diferentemente do irmão, não comparece para a triste despedida, mas, mesmo distante, consegue enviar uma mensagem de carinho e afeto.
Nos momentos finais, temos cenas marcantes e dolorosas. O abraço do pai em Sébastien é comovente, em especial, quando diz: “Sabe o que lhe desejo? Que tenha um filho como você?”. Sem saída, o paciente terminal opta por uma overdose e morre com a ajuda de seus amigos, pondo fim a um sofrimento irreversível.Trata-se de um filme sem o apelo piegas, que muitos fazem sobre vida e morte. Contagiante música final.
As Invasões Bárbaras revela que o sentimento entre as pessoas pode às vezes nascer em momentos de dificuldades. Quando jovens, acreditamos em muitas ideologias e esquecemos algo muito valioso e sem preço que é a amizade. Um filme sensível.