Quando já não se consegue dizer o que é preto e o que é branco, a luz se apaga e a liberdade torna-se uma prisão voluntária. (Albert Camus)
No ano de 1839, o barco espanhol La Amistad conduz escravos. Dois mercadores cubanos são os proprietários da “carga”. Durante o percurso há uma rebelião e, por falta de conhecimento de navegação, os amotinados ficam perdidos no oceano – uma vez que pretendiam voltar para casa.
Navegando sem precisão de rumo, a embarcação é apreendida na costa estadunidense pela Marinha, e os escravos são presos sob a acusação de pirataria e homicídio. Jamais imaginavam o que o destino lhes reservara.
Diante da situação, começa uma disputa na justiça dos EUA pela posse dos negros, não interessando suas condições humanitárias, uma vez que são tratados como animais e conduzidos a ferro.
Em terras estranhas e sem entender nada do que promotor público fala no tribunal, eles ficam atônitos diante de uma situação inusitada. Mas, o motim, os livrou de serem explorados mais ainda. Há esperança de justiça! Afinal, estão não mãos do Júri.
A cor da pele fala alto, a acusação diz: os selvagens se livraram dos grilhões…e rastejaram até o convés, como predadores. Isso revela o desprezo pelos encarcerados e, ao mesmo tempo, uma intolerância pelo simples fato dos africanos buscarem a tão sonhada liberdade. São homens condenados antecipadamente.
Com destaque para os consagrados Morgam Freeman e Anthony Hopkins (O Silêncio dos Inocentes, de 1991), o elenco conta também com a forte interpretação de Djimon Hounsou, o aparente escravo líder Seingbe; e o convincente Matthew McConaughey, na condição de advogado de defesa.
O filme é, sem dúvida, um marco na carreira do diretor Steven Spielberg (Tubarão, de 1975), mesmo não sendo adorado pela indústria midiática do cinema.
O drama dos acorrentados é mostrado em flashbacks, quando Seingbe/Cinque recorda os momentos de sua prisão pelo seu próprio povo. Os açoites são iniciados na sua pátria, onde homens se unem ao crime nos tempos de infortúnio – uma dolorosa verdade que não pode ser apagada.
Uma cena me deixa entorpecido. Isso ocorre quando escravos estão sendo chicoteados na embarcação primeira, o Tecora, e uma mulher resolve por fim ao martírio se atirando no mar levando consigo seu filho pequeno. Não há como esquecer. Como não se pode esquecer o momento em que muitos são jogados vivos no oceano acorrentados pelo pescoço.
O julgamento avança. Os interesses políticos entram nos bastidores, quando os poderosos percebem uma possível liberdade. Manobras são feitas e as cartas marcadas – isso perdura no tempo, no exato tempo em que vivemos. Um vazio de princípios!
Vejo em relatos como esse, a grande e impagável contribuição do cinema para as novas gerações. É no resgate de fatos, contados por diretores compromissados com a história, que também mergulhamos nas profundezas das barbáries produzidas pelos humanos.
Amistad é mais que um filme. É um brado que ecoa e convulsiona a natureza perversa dos homens maus – os famigerados traficantes, e os abomináveis senhores de escravos. É, ainda, o triunfo da Justiça que todos queremos.