Georg Dreyman…É o nosso único escritor não-subversivo. Eu ficaria de olho nele. (Diretor da temível Stasi)
Um filme arrebatador. Uma verdade que dói. Uma revelação que me fez voltar no tempo. Regressei à época de estudante da faculdade de direito (iniciada em 1982), quando discutia com os colegas que levavam a sério as enfermidades cerebrais dos mórbidos comunistas que dirigiam a então RDA – República Democrática Alemã, a tão exaltada “Alemanha do Leste” – lá é que é País, diziam os ingênuos.
O filme do diretor Florian Henckel é contado sem alardes. Não reveste a trama com discussões tolas sobre o regime. Mostra-nos que homens de bem estavam a serviço de um Estado doente, onde as pessoas eram vigiadas pela polícia secreta Stasi, que não perdoava sequer os detalhes íntimos da vida sexual dos grampeados.
Tudo acontece durante os anos 1980, quando o regime já dava sinais de enfraquecimento, mas, motivado por um desejo que nutria pela a atriz Christa-Maria (Martina Gedeck – O Grupo Baader Meinhof, de 2009), o asqueroso ministro da Cultura determina que seja investigada a vida de seu namorado Georg Dreyman (Sebastian Koch) – um escritor talentoso que vivia angustiado com o sufoco imposto pelo regime dos camaradas.
Os desdobramentos das escutas telefônicas mostram um homem sensível ao mundo das artes; ele é oficial encarregado de relatar a vida do casal. No transcorrer das investigações começa a sentir afeto pelos artistas e sente que está do lado errado. No papel do espião Gerd Wiesler está o ator alemão Ulrich Mühe, já falecido. Infelizmente, não pôde desfrutar do sucesso que foi este filme.
Não deixo de alertar a importância nas nossas vidas de se viver em regimes democráticos. Eis um exemplo de que regimes totalitários devem ser abominados e varridos do planeta. Não consigo entender como pessoas defendem tiranos como Hugo Chávez e Fidel Castro, bestas humanas que brincam com o destino dos outros.
Mesmo com seus defeitos e corrupções, na democracia o grito pode ser ecoado; o protesto, a manifestação livre do pensamento como faço agora. Viver sem liberdade é perder a vida. No diálogo entre Georg e seu antigo diretor Albert Jerska, este retruca: – o que é um diretor, se ele não pode dirigir. Os poderosos o tinham proscrito do meio artístico – assim era a RDA, democrática…
Quando a namorada de Georg é presa, fica no ar se ela é capaz de resistir e não entregar os amigos. É nessa hora que sentimos a sua fraqueza, pois Christa revela o local onde estava escondida uma pequena máquina de escrever, colocando a vida de todos em perigo.
O ponto alto é o gesto de Wiesler que trai o partido em nome da liberdade, e o faz convicto, sem drama de consciência. Antes da chegada dos agentes da famigerada Stasi, ele retira a máquina e salva o dramaturgo Georg. Um ato nobre. Não era somente a vida dos outros que estava em jogo, o que estava em jogo era a liberdade do próprio Wiesler – humilhado por um superior fajuto.
A Vida dos Outros despe a farsa dos camaradas, tão mistificada mundo afora como a vida bela e justa – o paraíso dos proletários. Merecedor dos prêmios recebidos, esse drama mostra que mesmo em nossas insignificâncias, nós existimos, e que há sempre um nexo nos encaixando numa história, mesmo que seja na história dos outros.