Tenha orgulho de ser o rei de um país cheio de mortos. Paris virou um cemitério! Os súditos sobre a terra ou coberto de vergonha.
(Margot – revoltada com a matança)
Um filme grandioso em todos os aspectos. É assim que defino a obra de Patrice Chéreau, que retratou com lealdade os fatos históricos ocorridos em França entre os séculos XV e XVI. Naquela época, o rei era fiel aliado dos burgueses e juntos dominavam o poder político e econômico.
No ano de 1572, é realizado um casamento de fachada entre a católica Marguerite de Valois, a Rainha Margot (Isabelle Adjani), e o nobre protestante Henrique de Navarra (Daniel Auteuil), com o objetivo de unir as duas correntes religiosas. Na cerimônia hipócrita perante os súditos, a jovem rainha vacila para dizer o sim, mas é forçada pela família a aceitar o engodo matrimonial. O pior é ouvir do celebrante a seguinte frase: Em nome do pai, do filho e da santa igreja eu os declaro marido e mulher.
Na noite de núpcias, Margot recusa o marido e é desprezada pelo amante. Para satisfazer seus desejos sexuais, sai pelas ruas de Paris em busca de um homem, terminando por encontrar o protestante La Môle (Vincent Perez). Os olhares são correspondidos e ela se entrega ao desconhecido em um dos becos da cidade, quando diz: Para você é de graça. É este homem que mudará radicalmente a vida da devassa rainha.
A arranjada união conjugal foi arquitetada pela perversa mãe Catharina de Médici (Virna Lisi), mas não conseguiu diminuir as tensões entre os dois grupos, tanto que, na noite de 24 de agosto de 1572, ocorreu um violento massacre de protestantes e ficou conhecido como “A Noite de São Bartolomeu”.
A intolerância religiosa de alguma forma dificultou a implantação do absolutismo francês e caracterizou o fim da dinastia Valois, que governava a França desde a Idade Média. A partir do século XVII até a Revolução Francesa de 1789, imperou na Europa o regime político denominado Absolutismo – o poder supremo do governante.
O filme tem um belíssimo figurino, os atores estão impecáveis e são mostrados com uma realidade impressionante. A interpretação de Isabelle Adjani (O Inquilino, de 1988) é brilhante, talvez seu melhor desempenho. A trama intrigante prende o espectador e as cenas de sexo – o desejo é mostrado apenas como imposição de gozo – estão muito bem fotografadas. A violência mostrada chocou o público, mas não foge ao que realmente aconteceu naquele tempo de perseguição e mortes. O diretor Patrice baseou-se no romance de Alexandre Dumas e foi muito aclamado pela crítica, além de ganhar vários prêmios.
Os bastidores palacianos – intrigas e traições – é o clima que permeia o enredo, uma vez que políticos e religiosos querem o poder a qualquer custo. Muitos religiosos não passam de aproveitadores da cegueira que domina grande parte da humanidade e incutem o medo em mentes fracas e corpos fragilizados para sedimentarem seus dogmas e falsos ensinamentos. É o fruto de tudo isto que enseja o extermínio de inocentes.
Henrique de Navarra, que tinha abjurado antes para não morrer, assume o trono após vários assassinatos e se converte ao catolicismo. Por sua origem protestante, ele assina o Edito de Nantes, dando liberdade de culto aos que professam tal confissão. É no seu governo que nasce a Dinastia Bourbon – dando início ao Estado absolutista, que teve seu apogeu no reinado de Luis XIV.
A Rainha Margot é um tributo à história. Um filme que ilumina as mentes menos esclarecidas sobre um dos momentos negros da intolerância religiosa. Infelizmente, mesmo diante de episódios tão sangrentos do passado, a matança continua e parece não ter fim.