A Primeira Noite de Tranquilidade (1972)

 

 
Por que a morte é a primeira noite de serenidade? (Giorgio Mosca)
 
Porque enfim se dorme sem sonhos. (Dominici)

 

Um homem caminha solitário e o ambiente parece conspirar a favor de sua tristeza. Ele está em um cais e o dia nublado anuncia chuva em breve. Faz frio e o agasalho protege Daniele Dominici (Alain Delon: O Sol por Testemunha, de 1959) – em grande atuação neste drama introspectivo. Dominici é um professor aparentemente relapso. Seu aspecto físico denuncia a ideia de que ele não é muito preocupado com a aparência – a barba está por fazer, a roupa amarrotada e quase não fala.

Logo nas primeiras cenas percebemos que ele é um homem culto, um mestre no ensino de Literatura e possui antecedentes invejáveis. A história se passa em uma cidade italiana chamada Rimini, banhada pelo mar Adriático. O professor é contratado temporariamente pela escola local e passa lecionar em uma sala de jovens alunos e, para seu encanto, nesta classe há uma belíssima aluna de apenas 19 anos chamada Vanina (Sonia Petrovna) – a paixão é imediata e Dominici não resiste à beleza arrasadora da jovem mulher. O jogo da sedução será perigoso, pois ele vive uma relação difícil com a bonita  mulher Monica (Lea Massari – O Sopro no Coração, de 1971). Já  Vanina namora um playboy sem estilo, mas que tem bastante dinheiro – sai com prostitutas e mente para a namorada. Quantos não agem assim? E o que leva muitos homens a deixarem suas mulheres em casa e buscarem nas ruas prazeres sexuais, meramente sexuais? Na verdade, eu não sei.

É neste clima de angústia que o professor sem pátria, sem lar – não suporta a vida com Monica  – vai encontrar seu destino. Ele desconhece os segredos de Vanina, que na verdade não lhe interessa, uma vez que embasbacado pela estonteante aluna, não mede limites para tentar sair do vazio que o domina. Estes serão os primeiros passos que o levarão para a verdadeira tranquilidade. Este drama é dirigido pelo italiano Valerio Zurlini (Verão Violento, de 1959), cineasta voltado para os conflitos pessoais; busca mergulhar no mais profundo sentimento de suas personagens e força o espectador a segui-lo na eterna viagem, usando efeitos de expressão opostos ao cinema tradicional. Zurlini tinha uma maneira peculiar de enxergar o mundo e trouxe esta visão para seus trabalhos cinematográficos – influenciados, principalmente, pela poesia e pela pintura.

Um filme existencialista, marcado pela culpa e pelo ressentimento. Os demais envolvidos são representantes de um círculo de metidos burgueses entediados e, alguns, no caminho da decadência. Exceção para Giorgio Mosca (Giancarlo Giannini), que funciona como uma contraposição ao professor e revela ser um verdadeiro amigo. Os diálogos envolvem citações literárias, recitação de poema e tudo como uma forma de identificarmos melhor o espírito de cada um dos integrantes da trama, sem pedantismo ou artificialismo.

Nas cenas finais, a dor toma proporções – ele resolve dizer para a mulher que vai embora, ou seja, vai encontrar-se com Vanina e ai a chantagem de Monica não o impede de partir. É um momento triste, sobretudo, quando ela diz que não tem para onde ir e não pode voltar para o ex-marido, ele não a deseja mais. Dez anos atrás, a atração falou mais alto que a razão e Monica não mediu distância para aventurar-se na relação com Dominici – a história se repete inversamente. A Primeira Noite de Tranquilidade é uma revelação de nossas angústias, de nossas buscas e de nossos aprisionamentos e, ao mesmo tempo, um espelho do inferno do qual muitos não podem escapar.

Trailer:

 

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Walter Filho

É Promotor de Justiça titular da 9a Promotoria da Fazenda Pública. Foi um dos idealizadores do PROCON de Fortaleza e ex-Coordenador Geral do DECON–CE. Participou e foi assistente de direção do premiado filme O Sertão das Memórias, dirigido pelo cineasta José Araújo. Autor dos livros: CINEMA - A Lâmina Que Corta e O CASO CESARE BATTISTI - A Palavra da Corte: A Confissão do Terrorista

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